21 de março de 2011

Cenas do Cólera em Belém



Cena Um

Uma massa de gente mais ou menos compacta se espreme, se empurra, dança, grita e se movimenta em bloco diante do palco do Açaí Biruta ao som de “Duas Ogivas”, um hino pacifista da banda paulista Cólera, que está tocando nesse exato momento em Belém pela primeira vez depois de 32 anos de carreira. A data redonda de 30 anos está sendo comemorada há dois anos. O som está ótimo, como não se poderia imaginar do equipamento de segunda utilizado para monitoramento de palco e de PA’s. Se fosse julgar pelo mau humor do técnico de som da casa algumas horas antes, o show seria desastroso. Mas parece que tudo contribuiu para que esse momento fosse especial. As cenas a seguir vão mostrar uma parte desse esforço coletivo.

Cena Dois
Sete horas antes, Redson, Val e Pierre chegam no Açaí Biruta para a passagem de som. Com simplicidade e dedicação, eles perdem bastante tempo com a bateria, que tem problemas no suporte de tons. Eles sacam chaves de fenda e alicates, e improvisam. Ficou mais ou menos, e alguém alerta: “Com três bandas de hardcore surrando a bateria antes do show de vocês, esse suporte não vai agüentar”. Mas logo o problema foi resolvido com o Fabrika Studio enviando na mesma hora outra bateria.
Depois, Redson passa o som das guitarras e dá as dicas para que Jakob Franco (que não é o técnico da casa e, sim, mais uma pessoa a se dedicar voluntariamente para que o show seja bom) regule exatamente as freqüências de voz. Dá detalhes bem precisos sobre as freqüências e a passagem de som parece uma aula para as cerca de 20 pessoas que a presenciaram. “Assim, o agudo faz com que as pessoas entendam tudo o que a gente tá dizendo”, explica o vocalista que é pau pra toda a obra.
Enquanto a bateria não chega, Redson pergunta se a equipe do Pará Underground quer fazer logo a entrevista. Todos os três, Val, Pierre e Redson conversam com a gente em cima do palco. Depois que a nova bateria chega, Lucas Monteiro ajuda o baterista a trocar as peles e Redson afina a bateria. E bem rápido. E eu penso comigo, “75% do som da bateria vem da afinação, como seria bom ter mais pessoas com essa capacidade do Redson em Belém”. Quando tudo fica pronto, a passagem é bem rápida. Dura uma música apenas.



Cena Três
Vinte minutos antes do Cólera chegar, Fábio, Eduardo e Hélio chegam na frente do Açaí Biruta. Ainda tem luz no céu e eles já estão ansiosos para o show. Eduardo, de 29 anos, e Hélio, de 24, vieram de São Luis do Maranhão, especialmente para o show do Cólera. “Para mim, é a realização de um sonho poder ver uma banda como o Cólera ao vivo pela primeira vez depois de tantos anos de carreira”, diz Eduardo. Já Hélio desdenha um pouco: “O Coléra é a banda preferida dos ‘punquinhos’. Todo mundo que curte hardcore tem que curtir Cólera”. Algumas horas depois, os dois, sem exceção, estariam compondo aquela massa de gente se espremendo diante do palco. Hélio pogava ainda mais forte do que Eduardo.

Cena Quatro
Eu circulo pelo Açaí Biruta e sou parado e cumprimentado o tempo todo por “punks velhos”. Amigos que não via há muito tempo, se confraternizando numa grande festa, felizes de poder ver de perto uma lenda viva. Harold, o velho banger da UFPA, que vivia bêbado pelos shows na década de 1990, está sóbrio e abre um sorriso de um lado a outro do rosto enquanto fala ao programa Pará Underground. Moriel Prado (ex-Homem Sem Pecado), Giovani Villacorta (Norman Bates), Márcio Maués (ex-Mangabezo), Del (Desakato) e tantos outros estão por lá. É uma festa como pouco se viu.



Cena Cinco
Os Delinqüentes sobem ao palco depois de dois shows arrebatadores no Amapá e pegam o ótimo som preparado por Redson. O som da bateria soa mais pesado do que nunca. As guitarras estão quentes com som de válvula e tudo parece mais pesado. Pedrinho está solto, corre, pula e não tira o sorriso do rosto. A performance arrebatadora encerra com “Um belo dia para morrer”. Eu diria que a maioria dos punks em cada um ali nasceu de novo.

Cena Seis
Depois de mais de duas dezenas de clássicos do repertório de uma das bandas seminais do movimento punk brasileiro e de uma performance arrebatadora, que começou com uma música emulando um canto Kayapo (“Qual violência é pior?”), a banda encerra o show. “Medo”, “1992”, “Pela paz”, “Histeria”, “Funcionários”, “Deixe o mundo em paz” estavam na lista. Redson diz que não deu pra mostrar tudo, mas que pretende voltar a Belém e diz que foi ótimo, agradece. “Vamos trocar de roupa e logo estaremos aqui para trocar idéia com vocês”. A banquinha de venda de merchandising não tem mais as camisetas amarelas do disco “Pela Paz em todo o Mundo”. Eu compro a última.



Cena Sete
Na saída, uma jovem nos interpela e pergunta se nós vamos pegar o ônibus no Ver-O-Peso. Explicamos que vamos de carro e antes que pudéssemos sugerir uma carona, ela deu as costas e foi embora, apressada, em direção a saída do Açaí Biruta. Quando aparecemos na esquina, a mesma jovem está aos tapas e puxões de cabelo com uma outra jovem. A briga se intensifica e o cabeludo do lado apenas fica olhando durante alguns minutos. Pau de Rato, eterno vocalista punk do KDD, quebra a inércia em volta da briga e separa as duas. Se volta para as pessoas olhando: “O que vocês estão olhando seus bacacas? A gente quer um mundo melhor e vocês ficam aí parados. Seus babacas!”


Por @Nicobates
Fotos: Mário Guerrero (@mguerrero108)

6 comentários:

  1. Nó Cégo arregaçando iniciando uma verdadeira festa punk com a participação de Daniel du Blues que é músico dos tempos do Ácido Citrico, Espargo de Marfim, Solano Star e o mesmo Nó Cégo. O Rédson pede pra que todas toquem 40m, mas o show foi rápido, rasteiro e certeiro com a atitude peculiar da banda, precisamos de mais shows do Nó Cégo.

    Delinquentes já começa fodendo tudo com a mais duradoura das formações em anos. Muito bem entrosado e ensaiados, eu vejo a banda que é a segunda na minha linha de influências pessoais juntar a experiencias de Jayme e Pedro Bernardo somar ao sangue novo de Raphael e Pablo que faz da cozinha linha de frente total com a voz de jayme e os riffs de Pedrinho. Pra garantir que eles toquem além do Setlist, Jayme já olha pros caras e começa "Soterrdos" e sem dar tempo deles escolherem outra música cheg no Jayme e peço "Formgueiro Febril" qeue imediatamente deixa o público surtado. Encerrado com a música do Setlist "Hoje está Um belo dia pra morrer".

    Licor de Xorume, melhor a cada apresentação eles começam um show que achei que seria frio já que o publico deu uma dispersada. Ledo engano já na segunda música a roda se forma novamente. Com auxilios luxuoso de Charles Andi e André Matos que manteve a qualidade do som no mesmo nivel pra todas as bandas locais). O Licor fez o show mais rápido da noite mais tocaram todas as músicas de seu set fodão, uma das minhas preferidas do novo hardcore vamos dizer assim. Banda com atitude e profissionalismo, tão no caminho certo.

    Cólera, eu mesmo desde que cheguei me coloquei a disposição dos 3 caras que me ajudaram a pensar civilizadamente na minha adolescência e pessoalmente não tive decepções com eles. (Levei meu primeiro LP Punk "Tente mudar o amanhã" que pela numeração o Pierre me diz "Esse já rodou hein, é da primeira fornada, primeira edição" essas traças se alimentaram bem, comentando o estado da capa que foi devorado por traças.

    Todos caras normais simples e dedicados ao proposíto que era tocar as músicas deles pra um público exigente e muitas vezes algoz. Tudo perfeito.

    Messias (ex Abalo Social, Deliquentes) e Marcelo Martins, Ricardo Boca (Ex Anomalia) ambos do Satelite e todos criados no ABC do Hardcore. Memorável.


    Setist
    01 - Qual violência
    02 - Subúrbio Geral
    03 - Sã0 Paulo
    04 - C.D.M.P.
    05 - Águia filhote
    06 - Deixe a terra em paz
    07 - Verde
    08 - Medo
    09 - Direitos Humanos
    10 - Somos vivos
    11 - Caos mental geral
    12 - Palpebrite
    13 - ESSM
    14 - XOT
    15 - Funcionários
    16 - Quanto vale a liberdade
    17 - Dia e noite
    18 - 1992
    20 - Adolescentes
    21 - Duas ogivas
    22 - Pela paz em todo mundo
    23 - Vivo na cidade
    24 - Histeria

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  2. Sensacional a tua contribuição Azul, parabéns!!Cada tem uma impressão e ajuda a soma nessa memoria coletiva desse show inesquecível.

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  3. Não era o Turú ao invés do Pau de Rato lá fora, Nicolau? hehe.
    Matéria muito boa. Azul deveria ter participado dessa resenha (ou feito uma ele mesmo). aliás, na minha coluna, tou fazendo uma também...

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  4. Azul, muito obrigado... quando não vi NADA sobre os shows de NÓ CEGO E LICOR DE XORUME nas "cenas" acima, pensei que tivesse alucinado.. sei lá, flashback?

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  5. Caro Sub, as "cenas" são uma visão parcial. Justamente porque não pude acompanhar tudo com olhar critico e comrigor. A ideia desde o inicio era ter várias resenhas, uma vez que uma única visão será sempre limitada para um evento como esse. Toda contribuição é bem vinda!
    Abs.

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  6. O Nó Cego só tem a agradecer ao público, ao Cólera, ao Xaninho, aos organizadores, a todos q trabalharam na organização, ao Azul, ao Nicobates, ao velhote q vendia cerveja no balcão, ao cara malvadão q tava na mesa de som do palco, ao André (matou a apau no PA) e ao público, sei q já disse ao público mas ta valendo.
    Achei tudo muito legal, bandas bem ensaiadas e curti muito todos os shows.
    Valeu Azul, pelo comentário elogioso. Vc disse: "precisamos de mais shows do Nó Cego". haha eu só sei que EU preciso haha.
    Gostaria d eter uma visão objetiva dos nossos shows, mas nao consigo. Fico sempre muito eufórico, além do mais é muito cansativo fisicamente pra mim, enfim, nao consigo, mas acho q foi legal, pela reação das pessoas.
    O Azul falou: "atitude peculiar da banda" - queria entender isso ae, mas depois te pergunto pessoalmente hehe. Mas gostei hehe.

    muito obrigado pela oportunidade, acho q falo em nome de todos os integrantes do NC.

    Cláudio (baixo - Nó Cego)
    twitter - @cdarwich
    @Noh_Cego

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